quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Poema:

Via Láctea

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas"
Olavo Bilac

Poema:Sílvio Bedani

LAMINA(Silvio Bedani)

Leio no brilho do teu olho
Meu corpo _ dado como morto _
Re-nascido.
Escrevo na folha do teu corpo
Meu nome _ antes sem voz nem paz _
Re-citado.
Calado e inteiro ao teu lado
Te ofereço a face
Te estendo a mão
E estou ao alcance da tua alma.
Calma, eu posso te ver em mim
E me ver em ti:Corpo e alma:
Reflexos, ecos, pedaços completos:
Amor.

Poema:Mário Quintana

BILHETE

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

Poesia:

Mais Luz!

(A Guilherme de Azevedo)

Amem a noite os magros crapulosos,
E os que sonham com virgens impossíveis,
E os que inclinam, mudos e impassíveis,
À borda dos abismos silenciosos...

Tu, lua, com teus raios vaporosos,
Cobre-os, tapa-os e torna-os insensíveis,
Tanto aos vicios crueis e inextinguiveis,
Como aos longos cuidados dolorosos!

Eu amarei a santa madrugada,
E o meio-dia, em vida refervendo,
E a tarde rumorosa e repousada.

Viva e trabalhe em plena luz: depois,
Seja-me dado ainda ver, morrendo,
O claro sol, amigo dos heroes!

Antero de Quental, in "Sonetos"

Poesia: Álvares de Azevedo

Se eu morresse amanhã
 
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!

Poema:

Hino à Razão

Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre só a ti submissa.

Por ti é que a poeira movediça
De astros, sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.

Por ti, na arena trágica, as nações
buscam a liberdade entre clarões;
e os que olham o futuro e cismam, mudos,

Por ti podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!

Antero de Quental, in "Sonetos"

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Poesia de Carlos pena Filho

CHOPP


Carlos Pena Filho
Na avenida Guararapes,
o Recife vai marchando.
O bairro de Santo Antonio,
tanto se foi transformando
que, agora, às cinco da tarde,
mais se assemelha a um festim,
nas mesas do Bar Savoy,
o refrão tem sido assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.
Ah, mas se a gente pudesse
fazer o que tem vontade:
espiar o banho de uma,
a outra amar pela metade
e daquela que é mais linda
quebrar a rija vaidade.
Mas como a gente não pode
fazer o que tem vontade,
o jeito é mudar a vida
num diabólico festim.
Por isso no Bar Savoy,
o refrão é sempre assim:
São trinta copos de chopp,
são trinta homens sentados,
trezentos desejos presos,
trinta mil sonhos frustrados.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Uns dos mais importantes poemas líricos de Gonçalves Dias

Olhos verdes

São uns olhos verdes, verdes,
uns olhos de verde - mar,
Quando o tempo vai bonança;
Uns olhos cor de esperança,
Uns olhos porque morri;
Que ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!
........................................
Como duas esmeraldas,
Iguais na forma e na cor,
Têm luz mais branda e mais forte,
Diz uma - vida, outra - morte;
uma - loucura, outra - amor.
Mas ai de mi! Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

São verdes da cor do prado,
Exprimem qualquer paixão,
Tão facilmente se inflamam,
Tão meigamente derramam
Fogo e luz do coração;
Mais ai de mi
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!
..........................................
Como se lê num espelho,
Pude ler nos olhos seus!
Os olhos mostram a alma,
Que as ondas postas em calma
Também refletem os céus;
Mais aide mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Dizei vós, ó meus amigos,
Se vos perguntam por mi,
Que eu vivo só da lembrança
De uns olhos cor de esperança
De uns olhos verdes que vi!
Que ai de mi!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Dizei vós: Triste do bardo!
Deixou-se de amor finar!
Viu uns olhos verdes, verdes,
uns olhos da cor do mar:
Eram verdes sem esperança,
Davam amor sem amar!
Disei-o vós, meus amigos,
Que ai de mi!
Não pertenço mais à vida
Depois que os vi!

Poema:

Soneto

Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! Na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! O seio palpitando...

Negros olhos as palpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!


Álvares de Azevedo 

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Soneto:

Desculpas

Cabisbaixo e humilde venho agora
Te pedir mil desculpas, pois eu sei,
Que palavras que eu falei outrora
Foram causas da dor que te causei.

Impensadas palavras te atirei,
Te fiz vítima, em seguida fui embora,
Mas agora parei, senti, pensei
E já vejo que é esta a melhor hora

De dizer que foi tudo minha culpa,
Meu orgulho maldito te feriu
E desmancho meu peito em desculpa

Pois a mente tão lerda não pensou,
Nem tampouco o meu coração sentiu
O que a boca idiota te falou.

Genildo Santana

Soneto: (amor aos pais)

Privilégio

Eu só queria ter o privilégio
De pegar meu velho pela sua mão
Eu inda bem moço, ele um ancião,
Pra mim não teria momento mais régio.

Quem assim não faz um sacrilégio,
É crime tão grande que não tem perdão,
É a um grande SIM responder com NÃO
É até indigno de um sortilégio.

Pegar velhas mãos quejá me pegaram,
Afagar os braços que já me afagaram
Dar banho em quem já deu banho em mim,

O mundo covarde isto a mim negou,
Erguer d'uma queda quem me levantou
Não quis esta vida que eu fizesse assim.

Genildo Santana

Soneto:

O passarinho

Um passarinho pousou
Por sobre a minha janela
E, ao pousar, entoou
Uma canção muito bela.

Magnífica aquarela
Que a mim contagiou
De uma alegria singela
O meu peito transbordou.

Depois de soltar seu grito
Voou para o infinito
Subindo atrás de um jardim

Foi tão bela a melodia
Que eu pensei que ele trazia
O teu recado para mim.

Genildo Santana

Soneto:

Mulher de todo mundo

A mulher que eu tanto quis
Do fundo do coração,
Viver com ela feliz
Sem porquê, sem precisão,

Resolveu ser meretriz,
Vender amor de ilusão,
Se tornando embaixatriz
Do país da sedução.

Seu pecado se estende,
Por prazer ela se vende
A quem mais dinheiro der...

Neste abismo tão imundo
Foi mulher de todo mundo,
Só não foi minha mulher.

Genildo Santana

Soneto:

Criança - Mulher

Terá muito, se tiver,
Quatorze anos de idade,
Mas numa noite qualquer
Perdeu sua virgindade...

Deu à luz, porém não quer 
Dar o filho à sociedade,
Pois a criança - mulher
Só queria felicidade.

Nesta noite malfada
Foi que foi despetalada
A flor da sua esperança
E o povo, hoje, vê passando,
Uma criança levando
Nos braços, outra criança!

Genildo Santana

Soneto:

E para aonde vais, poeta?

Quando o homem aprender que, ao amar,
Se constrói e constrói o seu irmão,
E sem medo de ter que se apegar
estender sua mão á outra mão,

Quando ele aprender a acalentar
Um irmão que caiu sem condição,
Quando a paz, com silêncio, fizer calar
O barulho estrondoso do canhão,

Quando o homem, feliz, puder sorrir
E com esforço aprender a contribuir
Um jardim nod cascalhos do deserto

Pra o lugar de onde vim eu voltarei
E por quem me mandou eu saberei 
Se cumpri a missão do jeito certo!


Genildo Santana

Soneto:

E o que vieste fazer, poeta?

Para aquele que sofre mal de amor
Vim sajar e tapar sua ferida,
Vim curar mais de um peito sonhador,
Abrir portas para quem tá sem saída,

Transformar em prazer o que é de dor,
Decantar a tristeza da partida,
Consolar a quem hoje chora por
Mil abalos sofridos em sua vida,

Vim chorar com quem vai chorar também,
Vim trazer muitos sonhos para quem 
Já perdeu o direito de sonhar,

Vim trazer uma força tão incrível,
Vim mostrar que viver só é possível
Se a gente aprender a se amar.

    Genildo Santana

Soneto:

Delírio

Não tão longe, meu bem, tu chegarás,
No meu túmulo, em noite muito escura,
Pararás junto a esta sepultura
E meu nome na cruz então lerás.

Em delírio, quem sabe, escutarás 
Uma voz, melancólica que murmura
Triste história de amor, conhecerás.

Ao sentires um vento muito forte
Não te assustes perante esta morte
Ouve ali o que nunca escutaste.

Pois, rompendo do céu a autoridade,
Serei eu a pedir da eternidade
Teu amor que em vida me negaste.

    Genildo Santana

Poesia:

Amo-te!

Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te enfim com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente 
De um amor sem mistério e sem virtudes
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinicius de Moraes

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Soneto:

Soneto de Fidelidade


De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

      Vinicius de Moraes

Soneto:

O rio

José! Olha o rio, na terra passando,
As águas não sabem onde vão parar,
Algumas tristezas, elas vão levando,
Alguma esperança, trazem de chegar.

Irrompem fronteiras e vão passeando,
Alguma alegria elas vão levar
E como serpente se vão arrastando
Que força é tão forte para lhes barrar?

Sejas como o rio, que é forte e valente
Que não desanima, que prossegue em frente,
Escrevendo história em seus pergaminhos,

Que sejas tão plácido, igual suas águas
Que sepultam dores, que enterram mágoas
E onde não há descobrem caminhos.

Soneto de: Genildo Santana

Soneto: (para pensar e refletir)

Regresso

Vou voltar palmilhando a mesma estrada 
Em que outrora, com fardos eu trilhei,
Descobrindo em cada encruzilhada
Onde foi que acertei e onde errei.

Descobrir na estrada empoeirada
O que foi que perdi e o que ganhei,
Nestas curvas, nas grotas, na chapada,
Tantas coisas, por medo, lá deixei.

Sob a dádiva de ver alguns amigos,
Sob o medo de sonhos tão antigos,
Sobre flores, cascalhos e espinhos,

Voltarei sob a luz dos mesmos astros,
Mas eu volto pisando os mesmos rastros
Para ver se encontro os meus caminhos.

Soneto de: Genildo Santana